Entidades ambientalistas e científicas consideram documento um retrocesso em relação à versão que Brasil apresentou no sábado
19 de junho de 2012
Herton Escobar, Giovana Girardi e Fernando Dantas, do Rio
RIO - Uma diferença de poucas palavras no parágrafo 162
do texto aprovado nesta terça-feira na Rio+20 poderá fazer uma grande
diferença no futuro dos oceanos. Organizações ambientalistas e
científicas consideraram o novo texto um retrocesso em relação à versão
apresentada pelo Brasil no sábado, no que diz respeito à criação de um
tratado internacional para regulamentar a conservação e a exploração
sustentável da biodiversidade em águas internacionais – uma lacuna da
Convenção da ONU sobre a Lei dos Mares (Unclos, em inglês), de 1982, que
envolve interesses geopolíticos e econômicos.
"Achávamos que esse seria a único resultado significativo da Rio+20,
mas até isso foi comprometido", disse a conselheira de Políticas
Oceânicas do Greenpeace, Nathalie Rey.
O texto anterior dizia que os países "concordavam em iniciar, o
quanto antes" negociações sobre a "implementação" de um tratado sobre o
assunto dentro da Unclos. O novo texto, por sua vez, coloca 2014 como
prazo para uma decisão, mas diz que essa decisão será apenas sobre o
"desenvolvimento de um instrumento internacional". Não há mais garantia
de que o tratado será criado, apenas de que essa possibilidade será
discutida.
"O texto prorroga a decisão de agir e não há garantia de que haverá
um tratado", disse Nathalie. A organização High Seas Alliance (HSA)
também se disse "profundamente desapontada". "Não há comprometimento.
Não temos tempo para esse insensatez; os oceanos não têm esse tempo",
declarou Susanna Fuller, ativista da HSA.
"A data pode ajudar, mas a decisão agora pode ser sim ou não",
avaliou Matt Gianni, conselheiro politico da ONG Deep Sea Conservation
Coalition. "A impressão é que o Brasil aceitou tudo o que os Estados
Unidos queriam."
Defesa. O negociador-chefe do Brasil, Luiz Alberto
Figueiredo Machado, defendeu o documento. Para ele, o parágrafo "diz
claramente que temos que nos debruçar com urgência sobre esse tema".
"Conseguimos um texto que nos atende perfeitamente."
A criação ou não do tratado foi um dos temas mais polêmicos na
negociação. Segundo observadores, os países que se colocaram mais
fortemente contra o acordo e foram os Estados Unidos e a Venezuela.
"Nós nem remotamente bloqueamos os esforços sobre oceanos; fomos uma
parte bastante ativa na discussão, mas há sempre uma questão política
desafiante nos Estados Unidos (sobre essa tema)", disse Todd Stern,
negociador chefe da delegação americana, referindo-se ao fato de que até
hoje o Senado do país não ratificou a Unclos.
Sobre as críticas de que a Venezuela teria se aliado aos EUA para
modificar o texto, Claudia Salerno, negociadora-chefe do país, disse:
"Há uma decisão da ONU que tomamos no ano passado para negociar um
regime jurídico para a área e para a biodiversidade além da jurisdição
nacional. Já há um grupo de especialistas trabalhando sobre esse tema.
Então não estamos bloqueando. O que estamos questionando é a forma que
será feito esse acordo." Ela considerou a inclusão de um prazo no texto
um fato importante.
O capítulo sobre Oceanos no documento final tem 20 parágrafos. Algo
que, apesar de tudo, já é motivo para comemoração, considerando que o
tema é rotineiramente ignorado nos debates ambientais internacionais,
segundo Richard Delaney, membro do conselho diretor do Global Ocean
Forum. "É um avanço grande em relação a 1992."
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