CARTA DE DESFILIAÇÃO DO PT
É
com imensa dor que anuncio, nesta data, uma das decisões mais difíceis de minha
vida, a desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT), partido político no qual
estou filiado desde 1994, que conheci e para o qual milito desde 1988, e para
quem, muito honradamente, somei esforços profissionais na coordenação jurídica
de algumas de suas memoráveis campanhas majoritárias (por exemplo, Lula e José
Aírton, em 2002, e Luizianne Lins, em 2004), representando-o, outrossim, na
qualidade de quadro especializado, na Coordenadoria Especial de Políticas
Públicas dos Direitos Humanos do Governo do Ceará, entre 2011 e 2012, em todas
as situações dedicando sempre o melhor de minha capacidade técnica e
intelectual.
As
razões dessa decisão já vêm sendo amadurecidas há bastante tempo e não estão
vinculadas a nenhum fato em específico, senão a um conjunto de fatores que me
impedem de continuar à vontade dentro do Partido.
Em primeiro lugar, penso que a opção do
PT por gerenciar um modelo econômico neoliberal, priorizando, muitas vezes, o
desenvolvimento econômico antes do desenvolvimento humano, no que pese o êxito
das importantíssimas medidas sociais implementadas desde o governo Lula, chegou
ao extremo, sendo uma incoerência com os princípios que fundamentaram a criação
e a existência do próprio Partido.
Em
segundo lugar, creio que o pragmatismo político das direções petistas e de
parte significativa de seus representantes mandatários, pragmatismo este muitas
vezes movido por interesses de oportunidade, desaponta a militância genuína e mesmo
os simpatizantes, contrariando, de maneira semelhante, os princípios éticos e
os propósitos políticos que outrora fizeram do PT a grande esperança nacional.
Há que haver limites ideológicos, políticos e filosóficos, nas chamadas
coalizões em prol da “governabilidade”.
Em
terceiro lugar – esse é um motivo que reflete e ao mesmo tempo encontra
fundamento nas razões anteriores - é que estou cada vez mais concentrado em
minhas atividades de pesquisador do Direito e das Ciências adjacentes, sentindo-me
na necessidade de estar intelectualmente desapegado de paixões partidárias, para
encontrar, com serenidade e isenção, minhas conclusões científicas, sem receios
de malferimento de interesses de partidos políticos, quaisquer que sejam estes,
e, até no sentido inverso, para reconhecer, com razão e senso de justiça, as
eventuais ações e políticas que reputar corretas e convenientes para o
bem-estar social.
Ademais,
já de algum tempo, minha consciência cidadã alerta que numa verdadeira
democracia, pela seriedade que tais decisões representam no bom desenvolvimento
do processo político, a escolha e a permanência num determinado partido devem
ser altissimamente valoradas, devendo este representar, sempre em grau
significativo, diria até expressivo, o idealismo dos respectivos filiados, o
que, no meu caso, lamentavelmente já não vem acontecendo.
Apesar
disso, desde pronto esclareço que a opção pela saída do PT não significa a
negação da política, tampouco a desilusão total com o Partido e, muito menos, a
volição de engrossar o coro dos que ingênua ou maquiavelicamente reproduzem a
velha cantilena de que “todos os partidos são iguais”, pois sei bem que não são.
Conheço,
até mesmo porque já estive dentro de estrutura de governo, que, por mais se
queira, nem sempre é possível concretizar sonhos de um dia para o outro. Só que
verdadeiramente ainda acredito que vale a pena lutar mais aguerridamente por esses
sonhos, não sucumbindo ao encanto permanente e inesgotável do jogo de xadrez da
tomada, manutenção e retomada do poder, seja do poder interno ou externo, situação
que, penso, tem desvirtuado em demasia as atenções dentro do PT.
A
política que precisa ser feita é aquela que tem que ser feita em benefício do
povo, em especial de sua população mais vulnerável, e não a política do mercado
financeiro, da conveniência partidária ou do interesse da corrente X, Y ou Z.
Em cada canto do mundo, e principalmente no Brasil, país em que tanta riqueza
produtiva convive com tamanha desigualdade social, é preciso estender, ao
máximo, os limites do possível, dentro daquilo que precisa ser realizado para e
pelo bem da coletividade.
Deixo
o PT, meu único partido político desde que legalmente pude ingressar em algum, sem
deixar de ter coração petista (de petista de raiz!). Preciso de desamarras para
manifestar o que penso, o que sinto, o que me inspira, sem os vínculos morais
da fidelidade partidária.
Sair
do PT não significa que não o considere, até então, o melhor dos partidos
políticos brasileiros, com fundamentais e relevantes serviços ainda a serem prestados
em favor do país e nosso sofrido povo. Acredito muito na força e no destemor das
companheiras e companheiros que ali estão e continuarão lutando pelo equilíbrio
entre o pragmatismo e o bom senso. Mas pela tarefa igualmente importante que
tenho adiante, o enfrentamento no plano do conhecimento, sinto que é hora de
sair.
Desde
sempre votei nas candidaturas petistas e assim continuarei fazendo, toda vez
que me convencer de que sejam as melhores. A diferença é que, daqui por diante,
meu compromisso exclusivo será com meus sonhos, meus ideais republicanos e a
ética que inspira minha consciência.
Fortaleza,
19 de setembro de 2013.
Marcelo Ribeiro Uchôa
Advogado
e Professor Universitário
12 comentários:
Querido eterno companheiro, não me conheces, sou militante de Campinas, gostaria de conversar com vc, sei que quando nosso coração se quebra naquele desgastado amor ao grupo ao crença, é difícil recuar. Mas apesar de não conhecê-lo conheço sua dor deste momento, por vezes cheguei a escrever a mesma carta, cheguei a quase protocolizar, e retrocedi pois quem perderia com meu afastamento seriam os mais humildes, aquela militância que merece meu respeito, amor e dedicação, apesar de ser apenas mais uma dentro do partido. Me deixe conversar com vc, por favor? És muito importante, querido e essencial para o grupo, e não podemos perdê-lo, vi que sua carta tem motivação sólida, mas pense no povo, pense em quem mais precisa... Por favor, diga que podemos conversar? Me dê esse benefício no meu aniversário 19 de setembro ok? Muito obrigada! Companheira Camila de Campinas...
Excelente e serena decisão. Só não concordo que precises sair para ser "independente" ou pesquisador científico, mas entendo o que queres dizer. Forte abraço, meu amigo. Podes contar comigo.
Obrigado pela solidariedade, Camila e Luiz. Na verdade, com dó no coração saí, porque não quero parecer incoerente defendendo certas ações e atitudes em favor dos fins a que meus estudos se aplicam (a busca de uma sociedade mais humana, ética e justa) integrando um espaço político que, infelizmente, não pela culpa de sua militância genuína e aguerrida, mas pelos vários fatores que citei, não está mais antenado nisso. Dói dizer, mas, fundamentalmente, é isso. Abraços!
Entendo e respeito sua decisão, amigo Marcelo, mas nem por isso deixo de lamentar sua saída. Companheiro, espero que continuemos nos encontrando na militância genuína. Boa sorte e um forte abraço!
Carlos Eduardo R. Brasil
Caro Brasil, espero sentar para conversar pessoalmente. Tenho 100% de certeza de que nos encontraremos nessa militância. Um forte abraço e obrigado pela solidariedade.
Caro Marcelo, sou filiado desde 83 e gostaria de saber como proceder para me desfiliar tambem
George Magalhães
Puxa, George, não queria ter que explicar isso. Mas, enfim, já que você está perguntando e não vou te deixar sem resposta, enviei um requerimento solicitando desfiliação ao presidente do diretório municipal do PT de Fortaleza(ao qual estava filiado), adjuntando a carta de motivos que redigi. Penso que o diretório dará conhecimento à Justiça Eleitoral. Um abraço e tudo de bom.
Que bom que ainda existe pessoas que dão prioridade aos seus sonhos, que pensam no próximo e principalmente possuem ética... Parabéns!
Obrigado, Leila. A luta segue! :o)
Marcelo Uchôa, seu coração ainda petista bate por um PT que não existe mais, agora sem alma, desfigurado pelas alianças e posturas, como você disse, em nome da governabilidade. Se sua desfiliação dói agora, doerá ainda mais quando você se apanhar votando noutro partido.
Caro José Gomes. Na verdade, ainda não me imagino fazendo isso. Tem que ser um passo de cada vez. Haverá de ter boas alternativas nas candidaturas do PT. Um abraço forte! :o)
Caro José Gomes. Na verdade, ainda não me imagino fazendo isso. Tem que ser um passo de cada vez. Haverá de ter boas alternativas nas candidaturas do PT. Um abraço forte! :o)
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