terça-feira, 4 de junho de 2013

Premiê rejeita 'Primavera turca' e acirra disputa política na Turquia



Protestos na Turquia
Protestos começaram por causa de um parque e se espalharam pelo país

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou nesta segunda-feira que os quatro dias de protestos contra o governo não são uma "Primavera turca".

Em uma coletiva de imprensa antes de viajar para o Marrocos, ele afirmou que os protestos foram organizados por extremistas e acusou a oposição de provocar "os seus cidadãos".
 
Os protestos começaram como uma iniciativa para impedir a derrubada do parque Gezi, em Istambul, para a construção de um centro comercial.
No entanto, as manifestações se transformaram em protestos contra o governo em todo o país. Ativistas se enfrentaram novamente com a polícia na segunda-feira após novos episódios de violência durante a noite.

A polícia usou gás lacrimogêneo contra um grupo de manifestantes que ia para o gabinete do primeiro-ministro em Istambul, segundo a agência de notícias Dogan.

"Há aqueles que comparecem aos eventos organizados por extremistas. Isso não é mais relacionado ao parque Gezi. Estes são eventos organizados com afiliações na Turquia e fora", disse o primeiro-ministro, durante uma entrevista pela televisão.

"O principal partido de oposição, CHP, provocou meus cidadãos inocentes. Os que produzem notícias (e) chamam esses eventos de Primavera turca não conhecem a Turquia."

A retórica agressiva de Erdogan contrasta com o tom adotado pelo presidente turco, Abdullah Gul, que pediu calma e defendeu o direito dos manifestantes de protestar pacificamente.

Tido como mais conciliador, Gul vem se afastando de seu ex-aliado Erdogan, e o racha foi evidenciado pelos protestos atuais e com a aproximação das eleições presidenciais do país, explica Cagil Kasapoglu, do Serviço Turco da BBC.

 

'Autoritário'

Os manifestantes dizem que o governo turco tem se tornado cada vez mais autoritário.

Correspondentes da BBC dizem que os manifestantes turcos temem que o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, esteja tentando impor valores conservadores islâmicos no país, que é oficialmente secular, e infringindo suas liberdades individuais.

De acordo com as autoridades, mais de 1,7 mil pessoas foram presas em protestos em 67 cidades, mas muitas já foram liberadas.

Na noite de domingo, a Casa Branca disse em um comunicado que ambos os lados deveriam "acalmar a situação" e reafirmou que manifestações pacíficas são "parte da expressão democrática".

Os EUA já haviam criticado as forças de segurança turcas por sua resposta inicial aos protestos.

 

Hospitais improvisados

Durante a noite, manifestantes no bairro de Besiktas, em Istambul, tiraram pedras do pavimento para construir barricadas e a polícia respondeu com gás lacrimogêneo e canhões de água.

Mesquitas, shoppings e uma universidade em Besiktas foram transformados em hospitais improvisados para os feridos durante os protestos de domingo à noite.

Milhares de pessoas participaram dos protestos do lado de fora do estádio de futebol de Besiktas, que foi recentemente desativado.

Também houve tumultos na capital, Ancara, e na cidade costeira de Izmir, no oeste, assim como em Adana, no sul, e Gaziantep, no sudeste.

Na semana passada, o governo aprovou uma lei proibindo a venda e a propaganda de bebidas alcoólicas.

Erdogan disse que os manifestantes são antidemocráticos e foram provocados pelo Partido Popular Republicano (CHP), de oposição.

Análise: A esperança em Istambul

Paul Mason | Foto: BBC
Paul Mason
Enviado da BBC a Istambul


Para qualquer estudante de história social, a visão de uma classe média urbana usando as mãos para retirar pedras da calçada, formar uma cadeia humana e empilhá-las para fazer uma barricada de um metro remete às palavras "Comuna de Paris".

Foi o que eu vi nas ruas ao redor do Estádio de Besiktas na noite passada, e as comparações são nefastas.

Eu cobri o Syntagma, em Atenas, os protestos Occupy e as manifestações na praça Tahrir, no Cairo, mas isso é diferente de todos eles. Primeiro, é sólido: os números apequenam qualquer episódio isolado de agitação na Grécia.

Em segundo lugar, a abrangência do apoio social - dentro do território urbano de Istambul - é maior do que na Grécia e próxima do Egito.

Na Grécia, a classe média urbana estava dividida; aqui na Turquia, a classe média secular está nas ruas com força, unida sobre divisões políticas e disputas de futebol.

É a "Praça Tahrir" da Turquia? Não se os trabalhadores não se juntarem: o país tem um grande movimento trabalhista e segunda-feira é um dia de trabalho, então veremos. Mas é certamente algo maior do que a uma versão turca do Occupy.

A oposição sabe que é fraca, que não tem liderança e não quer uma, e a estratégia oficial se relaciona ao parque Gezi e à brutalidade policial ─ enquanto a esperança que acende os olhos das pessoas com máscaras é se livrar de Erdogan e fazer da Turquia uma democracia secular.

A Comuna de Paris, em 1871, foi estudada pelos revolucionários como um exemplo do que não fazer. O movimento era isolado do resto da França, que votava nos conservadores; não sabia o que queria; aproveitou sua aparente liberdade e foi esmagado.

Ao ler o pedido do Departamento de Estado americano para que o premiê Recep Tayyip Erdogan "se contenha", acho que é possível que a comparação também tenha sido feita por outras pessoas.

Fonte: BBC Brasil, 03.06.14, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130603_turquia_erdogan_analise_cc.shtml

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