segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Índios da Aldeia Maracanã recebem notificação de despejo


Caio Quero





As famílias indígenas que ocupam desde 2006 o terreno do antigo Museu do Índio, nas proximidades do estádio do Maracanã, na zona norte do Rio de Janeiro, receberam nesta sexta-feira uma notificação da Procuradoria Geral do Estado que estabelece um prazo de dez dias para que eles se retirem do local.
De acordo com Carlos Tukano, uma das lideranças da aldeia, o documento teria sido entregue no início da tarde desta sexta-feira. Orientados pela Defensoria Pública da União, os índios optaram por não assinar o recebimento do documento.

Índios optaram por não assinar o recebimento do documento da Procuradoria Geral do Estado
"Eles trouxeram essa notificação, mas a gente não assinou nada. Estamos recebendo a orientação para não assinar nada", disse Tukano. Em um breve comunicado, a assessoria da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro confirmou que a notificação foi enviada, mas não divulgou mais detalhes.
 
"A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro enviou, ne
sta sexta-feira, notificação para que o terreno do antigo Museu do Índio seja desocupado em um prazo de 10 dias", diz a nota. Segundo a Procuradoria, caso o imóvel não seja desocupado neste prazo, o Estado poderá entrar com um pedido de reintegração de posse.
 
O documento foi entregue dois dias depois de a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos ter proposto, em troca da retirada dos ocupantes, a criação de um Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, em um local a ser definido, próximo ao Maracanã.
Também foi sugerida a criação de um Conselho Estadual de Direitos Indígenas. Os integrantes da aldeia dizem que ainda não avaliaram a proposta.
 
"A proposta foi feita anteontem pelo secretário (de Assistência Social) e logo em seguida eles mandam essa remoção no prazo de dez dias. Está correndo muito rápido e muito suspeito para mim. Ninguém vai se retirar", disse Tukano.

Disputa

Atualmente, cerca de 60 índios moram no terreno, entre elas 40 adultos e 20 crianças.
 
Em outubro do ano passado, o governo estadual formalizou a compra do terreno, que pertencia à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão ligado ao Ministério da Agricultura.
 
Segundo o governo do Estado do Rio de Janeiro, a demolição do prédio faz parte das obras de modernização do estádio do Maracanã para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014. Segundo o projeto, o terreno deve servir como área de estacionamento e dispersão para o público durante os jogos.
 
Já lideranças indígenas, movimentos sociais e partidos políticos defendem o tombamento do prédio e o direito dos índios da chamada aldeia Maracanã de permanecerem no local.
 
Para o defensor público federal Daniel Macedo, que vem defendendo os índios e o tombamento do prédio, o documento entregue nesta sexta-feira é uma "notificação extrajudicial".
 
"É uma notificação extrajudicial, é mais uma forma de o governo pressionar a saída deles. Mas não tem nenhuma utilidade porque a questão já foi judicializada", diz o defensor, referindo ao fato que o caso já estar sendo discutido pela Justiça Federal.
 
Segundo Macedo, o documento não autoriza que a polícia entre no local para desocupá-lo. "Só podem entrar lá se houver uma ordem judicial, com presença de oficial de justiça, tudo direitinho."

Batalha judicial

O requerimento foi encaminhado após uma semana de disputa jurídica entre as partes, depois de momentos de tensão durante um cerco policial ao imóvel, no último sábado.
 
Na noite de quarta-feira, o presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), Raldênio Bonifacio Costa, deu um prazo de dez dias para que a União se manifestasse a respeito de um recurso apresentado pelo Ministério Público Federal para impedir a demolição e retirada dos ocupantes do imóvel.
 
A ordem foi assinada após o Ministério Público Federal apresentar um pedido de reconsideração contra uma decisão tomada em novembro pelo Tribunal. Nesta decisão, a presidente do TRF, Maria Helena Cisne, cassou duas liminares que impediam a demolição do antigo museu e a retirada dos índios que vivem desde 2006 no local.

Polêmica

A polêmica também se estende para a esfera urbanística. Segundo a legislação municipal do Rio de Janeiro, demolição ou a alteração de imóveis construídos antes de 1937 só pode ser autorizada após o pronunciamento favorável do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural, que emitiu um parecer contra a demolição.
 
Contrariando o parecer, no entanto, a demolição do prédio foi autorizada pela Prefeitura do Rio, por meio de um despacho assinado pelo prefeito Eduardo Paes e publicado no Diário Oficial do município.
 
Construído em 1862, o edifício onde agora fica a aldeia Maracanã abrigou o antigo Serviço de Proteção ao Índio – fundado pelo marechal Cândido Rondon em 1910 – e o Museu do Índio. Desde 1978, no entanto, o prédio ficou abandonado e foi ocupado em 2006 pelos membros da Aldeia Maracanã.
 
Segundo a Emop (Empresa de Obras Públicas do Estado), "a demolição do prédio do ex-Museu do Índio integra o projeto de modernização do complexo do Maracanã, sendo parte importante na questão da mobilidade."
 
As obras do Maracanã devem ser finalizadas em abril, com a formalidade de entrega do estádio à Fifa prevista para o dia 28 de maio.

Fonte: BBC Brasil, 18.01.13, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/130116_indios_tukano_cq_mdb.shtml

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