segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pizzolato à luz do Direito Internacional

Muitas dúvidas persistem no cenário atual acerca do imbróglio internacional envolvendo Henrique Pizzolato, ex diretor de marketing do Banco do Brasil, recentemente condenado pelo STF, no caso do mensalão, a 12 anos e 7 meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. 


Pois bem! Pizzolato é um foragido da Justiça nacional no exterior, portanto, fora da jurisdição da polícia brasileira. Dessa maneira, o Brasil solicitará o apoio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), da qual é membro, para que auxilie na procura e detenção do mesmo na Itália. Sendo detido - provavelmente será, porque, segundo consta, não está escondido na Itália -, Pizzolato pode ter extradição solicitada pelo Estado brasileiro para cumprir, aqui, a pena objeto de suas condenações. 

Mas o fato é que, mesmo o Brasil solicitando pedido de extradição, e supondo que as razões do pedido sejam significativas para justificá-la, não deverá o mesmo extraditado da Itália para o país. O que difere sua situação da de outros brasileiros é que ele possui dupla cidadania originária. Ou seja, é, ao mesmo tempo, brasileiro e italiano. E, assim como o Brasil não permite extradição de nacionais brasileiros, exceto quando naturalizados e, ainda assim, se o fato motivador da extradição (o crime cometido) for de natureza comum, tiver sido efetivado antes da naturalização ou estiver relacionado com tráfico de entorpecentes e drogas afim, etc (CF/88, Art.5ª, LI), a Itália também veda a extradição de italianos em casos  políticos, facultando-a, outrossim, nos casos em que esteja expressamente prevista em normas internacionais (CI, Art. 26), apesar de, na prática, não cumprir tal faculdade. O próprio tratado de extradição Brasil-Itália, de 17/10/89 (Dec.Exec. 863/93), faculta, não obriga, a extradição de nacionais em seu art. 6, I: “quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la”.

Dessa maneira, Pizzolato só será eventualmente extraditado para o Brasil se for preso fora do território italiano. Nessa hipótese, ainda que a Itália requeresse sua extradição para lá, valeria o pedido brasileiro, porque é o país com o qual a nacionalidade de Pizzolato mais esteve ligada até então (Art.5º da Convenção de Haia sobre Conflitos de Nacionalidade, de 12/04/30, Dec.Exec. 21.798/32). Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso do ex banqueiro Salvatore Cacciola, que só foi extraditado para o Brasil, porque resolveu sair da Itália, sendo preso, doravante, no Principado de Mônaco e, de lá, extraditado. 

Em nota aberta encaminhada à imprensa, Henrique Pizzolato manifestou interesse de recorrer à Justiça italiana para demonstrar, em tribunal livre "das imposições da mídia empresarial", sua inocência. Supondo-se que busque mesmo tal medida, não deve ser algo simples de acontecer, porque significa iniciar um julgamento do zero, provavelmente sujeito a todas as instâncias recursais, já que não deverá ter processo julgado diretamente na Corte Superior, semelhantemente ao que aconteceu no Brasil, quando foi julgado, por conexão com demandas que deveriam gozar de foro privilegiado, diretamente no STF, e não no juízo monocrático. De toda forma, não havendo impedimento no ordenamento jurídico italiano, a hipótese, pode, sim, se materializar. Até mesmo porque, o supra citado tratado de extradição Brasil-Itália, no mesmo art. 6, I, que faculta a extradição de nacionais, prevê que "... não sendo concedida a extradição, a Parte requerida, a pedido da Parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal". Agora, se isso vai acontecer, é ver para crer.

Há divagações também sobre uma imaginável possibilidade de troca de Pizzolato por Cesare Battisti, ex integrante dos Proletários Armados pelo Comunismo, nas décadas de 70/80, condenado na Itália (à revelia e por delação premiada) à prisão perpétua, por cometimento de supostos crimes de terrorismo, atualmente refugiado no Brasil. 

Sobre isso, há duas questões a esclarecer: 1ª) não há previsão de negociação do tipo, nem na leis internas italianas, tampouco no tratado de extradição Brasil-Itália, portanto, é impossível, por esse prisma, a troca de um condenado pelo outro; 2ª) apesar de Battisti ter tido extradição consentida pelo STF, mas não determinada pela Presidência da República, a quem compete responder pelas relações com os Estados estrangeiros (inciso VII, art.84, da CF/88), o mesmo está amparado pela condição de refugiado no país, de tal maneira, que também por esse prisma a troca resta impossível. 

Concluindo, na condição de italiano, Pizzolato está, na prática, a salvo da jurisdição criminal brasileira, desde que permaneça na Itália até a prescrição de sua pena, cerca de 20 anos. Bom seria, contudo, que na Itália fosse submetido a um novo julgamento. Seria uma ótima maneira de demonstrar se o julgamento do mensalão no STF teve ou não nuances de julgamento de exceção, consoante apregoado pelos condenados.

Marcelo Uchôa
Professor de Direito Internacional da UNIFOR
Autor do livro Direito Internacional (Ed. Lumen Juris, 2013)

4 comentários:

Stênio Gonçalves disse...

Só teria uma observação a fazer. Talvez o julgamento na Itália seja mais rápido do que pensamos. Pizzolato tem em suas mãos diversos documentos que estavam na AP470 e que foram retirados pelo MPF e reaplicados em outra AP que tramita na primeira instância no DF em segredo de justiça. Diz a sua defesa que tais documentos desconstituem dois pilares das condenações: 1) De que era dinheiro público a pagar pelos serviços das agências de publicidade de Marcos Valério e, 2) que esses serviços não teriam sido realizados.

Marcelo Rodrigues disse...

Se bem entendi, o processo penal na Itália só ocorrerá caso houver requerimento do governo brasileiro, representado pela Presidenta. É isso?

Blog do Marcelo Uchôa disse...

Caro xará,
Como se trata de cumprimento de pena por foragido da Justiça, o pedido de extradição incumbe ao executivo, sim. O trâmite interno se dará a partir do Ministério da Justiça.
Abraço,
Marcelo Uchôa

Blog do Marcelo Uchôa disse...

Por essa ótica, Stênio, sim, teoricamente seria até mais rápido. O problema é que isso vai depender do sistema judicial italiano.
Abraço forte,
Marcelo