sábado, 5 de outubro de 2013

Cocó: entre a legalidade e a justiça


O caso da desocupação do Cocó requer uma reflexão mais apurada do que a simples intuição. Todos sabem que decisões judiciais devem ser cumpridas, já que a insubordinação civil teoricamente somente se justifica ante a ameaça de um estado de exceção, o que não é o caso do  Brasil, que formalmente vive uma democracia. Mas este fato não significa admitir que os manifestantes em defesa do Cocó não tivessem razão em seu direito de resistir para evitar que a ordem judicial se materializasse, pelo contrário.

É que nem sempre, mesmo em regime de democracia formal, a legalidade equivale à justiça. A justiça para se concretizar requer legitimidade social.

Os eventos de junho serviram para demarcar um roteiro do que deve ser a ação política do governante brasileiro, daqui por diante: nenhuma obra polêmica, por interferir no curso da natureza, por ser exorbitante em custos, ou desnecessária face às prioridades da maioria vulnerável, deve ser implementada antes da sociedade ser ouvida. O povo, na rua, cobrou uma radicalização da democracia, no sentido de querer ser escutado e atendido em seus anseios. A democracia formal (do papel) precisa ser convertida em democracia material (na prática).

No caso do Cocó, o certo é que o povo de Fortaleza tivesse sido ouvido antes da determinação de construção do viaduto.  Alternativas menos danosas ao meio ambiente e ao sentimento da coletividade teriam sido encontradas para desafogar o trânsito, que, caótico, precisa ser melhorado naquela área. E, como consequência, não haveria necessidade de manifestações, recursos ao Judiciário, e, muito menos, acionamento da polícia, que, a propósito, para risco e ameaça geral da nação, tem se mostrado cada dia mais desproporcional, em termos de uso da violência. 

Graças à corajosa resistência dos manifestantes, novos incidentes talvez não se repitam na área do Parque. Mas para isso é preciso que os políticos locais sejam virtuosos, viabilizando, em futuras decisões, um equilíbrio entre a louvável vontade de realizar e o legítimo desejo de ser ouvido.

Marcelo Uchôa

Advogado e Professor de Direito/UNIFOR

* Foto extraída da internet. Fonte: TV DN, 04/10/13, disponível em: http://tv.diariodonordeste.com.br/video/cidade/homem-nu-anda-em-direcao-ao-parque-do-coco/4c8b4a927f4ac20a4c7073793e3db826

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