quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Farsa processual (Artigo Jornal O Povo)

Duas entrevistas recém-concedidas instauraram grande polêmica. A primeira, dada pelo professor Luiz Moreira, do Conselho Nacional do Ministério Público, ao jornalista Paulo Henrique Amorim; a outra, pelo jurista Ivens Gandra Martins, à Mônica Bergamo, da Folha. Em síntese, denunciam a farsa que foi a Ação Penal 470, no STF (Mensalão).

Para Moreira, a Procuradoria da República não comprovou as acusações alegadas, utilizou-se de verossimilhanças e não certezas. O STF, por sua vez, ao acolhê-las por simples silogismo, corrompeu a lógica do Direito Penal que veda decisões com base em deduções, face o princípio do in dubio pro reo. Além disso, as penas extrapolaram em 60% as usualmente aplicadas na Corte, com o propósito de evitar eventuais prescrições.

Já Ivens Gandra, analisando a situação do ex-ministro José Dirceu, acrescenta que o STF, ao tutelar a tese do domínio do fato, instaurou crise de segurança jurídica no Brasil, pois, doravante, qualquer um poderá ser condenado com base em um único depoimento, mesmo sem credibilidade.

Em resumo, ao acusar 40 réus (alusão aos 40 ladrões) para aguçar a opinião pública, mas buscando acima de tudo atingir o núcleo político do PT, o ex procurador Gurgel cometeu o gravame de tratar todas as complexas situações como se semelhantes fossem, buscando nivelamento dos envolvidos pelas penas mais severas. O STF, na ânsia de mostrar-se salvador da pátria, viciou o julgamento. Para condenar José Dirceu, arriscou a punição de outros que, quem sabe, mereciam a cadeia. Menos mal que acatou os embargos infringentes de 12 condenados, caso contrário, daria azo para uma vexatória condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Agora é torcer para que o STF não volte a se apequenar movido por interesses midiáticos. Relembrando Rawls: “A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento”.

Marcelo Ribeiro Uchôa
marcelouchoa@oi.com.br 
Advogado e professor de Direito da Unifor

Fonte: Jornal O Povo, 03/10/13, disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2013/10/03/noticiasjornalopiniao,3140307/farsa-processual.shtml

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