segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Cocó: entre a legalidade e a justiça

O caso da desocupação do Cocó no último 04/10 merece uma reflexão especial. Todos sabem que decisões judiciais devem ser cumpridas, já que insubordinação civil teoricamente somente se justifica ante ameaça de um estado de exceção, o que não é o caso do  Brasil, que formalmente vive uma democracia. Mas este fato não significa admitir que os manifestantes em defesa do Cocó não tivessem razão em seu direito de resistir para evitar que a ordem judicial se materializasse, pelo contrário. É que nem sempre, mesmo em regime de democracia formal, a legalidade equivale à justiça. A justiça para se concretizar requer legitimidade social.

Os eventos de junho demarcaram um roteiro do que deve ser a ação política do governante brasileiro daqui por diante: nenhuma obra polêmica, por interferir na natureza, por ser exorbitante em custos, ou desnecessária face às prioridades da maioria vulnerável, deve ser implementada antes da sociedade ser ouvida. O povo, na rua, cobrou uma radicalização da democracia, no sentido de querer ser escutado em seus anseios. A democracia formal (do papel) precisa ser convertida em democracia material (na prática).

No caso do Cocó, o certo é que o povo de Fortaleza tivesse sido ouvido antes da determinação de construção do viaduto.  Alternativas menos danosas ao meio ambiente e ao sentimento da coletividade teriam sido encontradas para desafogar o trânsito, que, caótico, precisa mesmo ser melhorado naquela área. Mas, na consequência, não haveria necessidade de manifestações, decisões judiciais, e, muito menos, acionamento da polícia, que, a propósito, para risco geral da nação, tem se mostrado cada dia mais desproporcional, em termos de uso da violência, deixando claro que já, há muito, dever-se-ia haver pensado a formação de batalhões específicos, com preparo e técnicas adequadas de compreensão, mediação e ação para lidar com movimentos sociais em situações extremas de reivindicação, visto que manifestantes não são, via de regra, vândalos, como costuma rotular setores conservadores da sociedade. Que o diga o jovem indignado que, não bastasse não usar máscara, optou por desnudar-se completamente diante de todos, exaltando nada temer.

Graças à corajosa resistência dos manifestantes, é possível que novos incidentes não se repitam na área do Parque. Mas para que isso de fato aconteça, é necessário que os políticos locais sejam virtuosos, viabilizando, em futuras decisões, um equilíbrio entre a louvável vontade de realizar e o legítimo desejo de ser ouvido. 

 Marcelo Uchôa - Advogado e Professor

Fonte: Jornal O Estado, 14/01/13, disponível em: http://www.oestadoce.com.br/noticia/coco-entre-legalidade-e-justica

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