Advogado. Professor de Dir Internacional e Dir Humanos/UNIFOR, havendo ensinado Dir Trabalho, Hermenêutica e Estágio. Doutorando em Direito/UNIFOR e Univ Salamanca c/ Diplomas de Grado, Estudios Superiores e Avanzados. Mestre em Dir Constitucional. Especialista em Dir Trabalho. Ex Coord Especial de Dir Humanos/CE. Autor dos livros Direito Internacional, Ed Lúmen Juris, e Controle do Judiciário: da expectativa à concretização (o 1o biênio do CNJ), Ed Conceito. Face: Marcelo Uchôa TT: MarceloUchoa
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Processo contra juiz que prendeu Pinochet divide sociedade espanhola
Vítor Rocha
De Madri para a BBC Brasil
Atualizado em 6 de fevereiro, 2012 - 11:41 (Brasília) 13:41 GMT
O processo contra o juiz espanhol Baltasar Garzón por abuso de poder ao investigar crimes cometidos durante a Ditadura do general Francisco Franco (1936-1975) reabriu feridas em seu país e gerou fortes reações de entidades internacionais de direitos humanos.
O julgamento na Suprema Corte da Espanha trouxe à tona resquícios do franquismo, reformatou antigas divisões na sociedade e possibilitou que familiares de desaparecidos levassem, pela primeira vez, seus dramas aos tribunais.
Famoso por ter decretado a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e investigado os crimes da ditadura argentina, Garzón é acusado pela organização de extrema direita Manos Limpias (Mãos Limpas) de ter desconsiderado a Lei de Anistia local, de 1977.
Nesta semana, ele volta a sentar no banco dos réus para responder por, segundo ele, tentar dar respostas aos familiares de alguns dos 130 mil desaparecidos no período.
O juiz ainda responde a outros dois processos, acusado de ter feito escutas ilegais para investigar casos de corrupção e de conseguir patrocínio do Banco Santander para seminários que ministrou em Nova York.
Reações e apoios
O trabalho de Garzón sobre o franquismo gerou reações dos setores mais conservadores, que buscam condená-lo na Justiça. Mas um grupo formado por artistas, intelectuais, familiares das vítimas do regime de Francisco Franco e partidos de esquerda foram às ruas declarar-lhe apoio.
"Ao abrir essa investigação (sobre o franquismo), ele acabou por reeditar as duas Espanhas, situação que havia sido totalmente superada pela Constituição e pelos mais de 30 anos de democracia", disse o diretor da organização Manos Limpias, Miguel Bernad, à BBC Brasil.
"Esse processo contra Garzón é um aviso da direita espanhola, que tenta impor um limite à Justiça. Pode-se julgar crimes contra a humanidade ocorridos em outros países, mas não aqui", avalia, em entrevista à BBC Brasil, Rubén Fernández Casar, membro do partido Izquierda Unida, ao qual Garzón se aproxima ideologicamente.
Um grupo denominado "Solidários com Garzón" (www.solidarioscongarzon.com) organiza espetáculos artísticos e manifestações em apoio ao magistrado. Entre os que aderiram estão o cineasta Pedro Almodóvar e a atriz Pilar Bardem, mãe do também ator Javier Bardem.
Em todas as audiências, que começaram na semana passada, seus partidários levaram cartazes e gritos de ordem para a frente da Suprema Corte, em Madri. Eles prometem repetir a dose nesta semana e preparam um grande ato no dia 8.
"A Espanha tem 47 milhões de habitantes e as manifestações a favor de Garzón não chegam a 10 mil. Se fôssemos fazer protestos, garanto que colocaríamos um milhão de pessoas na rua", provoca Miguel Bernad, da Manos Limpias.
Caso inédito
A ofensiva contra Garzón também reacendeu uma polêmica em relação ao tratamento judicial que deve ser dado aos crimes contra a humanidade. Entidades de defesa dos direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, compartilham a ideia do magistrado de que os delitos contra a humanidade são permanentes e não devem ser abarcados pelas leis nacionais de anistia.
"Considerar ilegal sua tentativa de aplicar a jurisdição universal e de investigar crimes contra a humanidade é uma ameaça à independência da Justiça. Eles não são passíveis de prescrição", defende Reed Brody, observador da Human Rights Watch enviado a Madri, em entrevista à BBC Brasil.
"O judiciário precisa de juízes corajosos como ele, que mudou o mundo e derrubou muros de impunidade com seu trabalho, ao prender Pinochet e agir contra as ditaduras latinoamericanas", completa Brody.
Já o observador da Anistia Internacional, Ignacio Jovtis, destaca a atuação de Garzón como "pioneira na defesa da jurisdição universal".
"É escandaloso que um juiz seja processado por investigar crimes contra os direitos humanos. É o primeiro caso, no mundo, de que temos notícia", disse Jovtis à BBC Brasil.
Do banco dos réus, Garzón alegou que utilizou, em relação ao franquismo, os mesmos princípios que levaram à detenção de Pinochet, em 1998. Mas, ainda assim, a Suprema Corte acatou a acusação do grupo Manos Limpias e avalia se ele desconsiderou a anistia.
"Ele prevaricou, ultrapassou seus limites, pois existe a Lei de Memória Histórica que repara moral e economicamente os vencidos. Mas, como é de esquerda e se crê acima da Constituição, ditou a resolução contra o franquismo e por isso deve ser afastado dos tribunais para sempre", contesta Miguel Bernad, da Manos Limpias.
Testemunhas relatam crimes
O julgamento, no entanto, tomou um rumo inesperado para a acusação. A defesa apresentou familiares de vítimas do franquismo como testemunhas e elas relatam, pela primeira vez a um tribunal, as atrocidades do regime.
Uma senhora contou como seu pai foi torturado e morto por um oficial das forças armadas que, ainda por cima, leva no pulso o relógio da vítima. Um filho relembrou o assassinato do pai por ter dado pães e ovos a rebeldes. Um pesquisador contou como o Estado articulava esquadrões da morte.
A acusação alegou que o processo não trata disso e desqualificou os depoimentos, mas o juiz responsável autorizou a continuação dos testemunhos nesta semana.
"Ele atuou como sempre, de acordo com sua sensibilidade social", defende o advogado Manuel Gonzalez Alonso, amigo pessoal de Garzón, à BBC Brasil. Alonso crê que sua preocupação social vem de sua origem humilde - seu pai cultivou azeitonas e trabalhou como frentista num posto de gasolina.
"Baltasar abriu o processo porque foi procurado pelas famílias das vítimas e, como sempre, não teve medo", adicionou.
Alonso conta que tem falado constantemente com Garzón e que ele reage à situação com tranquilidade. Aproveita o tempo livre para brincar com a neta de dois anos e não demonstra qualquer dúvida sobre suas convicções.
Piada
Manuel Alonso revela que, na descontração entre amigos, Garzón costuma contar uma piada sobre um fantasioso encontro entre Pinochet e a ex-primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher.
Quando teve ordenada sua prisão, Pinochet estava em Londres e teria pedido um almoço com Thatcher em busca de ajuda.
Como poderia ser preso na Inglaterra, os dois voaram para Paris, ainda de acordo com a piada contada pelo juiz.
No restaurante, o ex-ditador chileno constatou que havia uma mosca em sua sopa, e comentou com a acompanhante, continua a criação humorística.
Thatcher, por sua vez, resolveu chamar o funcionário: "Garçon, Garçon!", ao que Pinochet reagiu imediatamente, desesperado: "Não chame esse rapaz, prefiro o tempero da mosca!"
Fotos: 1) Baltasar Garzón ficou conhecido por conseguir a prisão de Augusto Pinochet - Baltasar Garzón (Reuters); 2) Garzón divide opiniões na sociedade espanhola - Manifestação a favor do juiz Baltasar Garzón (AP)
Fonte: BBC Brasil, 06/02/12, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/02/120206_garzon_vr_is.shtml
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