sexta-feira, 27 de julho de 2012

Regime de anistiado político

A lei 6.683/79 concedeu anistia “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares” (Art.1o).
 
Como se vê, a anistia política ali estabelecida era geral e ampla, em benefício de todos os que sofreram violência estatal em suas liberdades fundamentais, durante a ditadura.
 
Posteriormente, no afã de aprofundar o processo nacional de reparação política dos atingidos pelo arbítrio, outra lei, a lei 10.559/02, instituiu um regime de reconhecimento nacional de Anistiado Político condicionado à declaração da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
 
Tal declaração facilitaria o desembaraço de uma série de outros benefícios, tais como: reparação econômica de caráter indenizatório, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade; contagem, para todos os efeitos, do tempo de afastamento das atividades profissionais; conclusão de curso em escola pública, ou, na falta, com bolsa de estudo, a partir do período letivo interrompido, e registro de diploma obtido no exterior; reintegração de servidores públicos civis e empregados públicos, etc.

Ora, apesar de aparentemente sem motivação, o que fez a lei de 92 foi restringir os efeitos da lei de 79, reduzindo a condição de anistiado político a aqueles que acionaram os requerimentos formais junto à Comissão de Anistia, em detrimento de tantos outros que também combateram, corajosa e irmanadamente, o regime do terror, sendo inclusive submetidos aos mesmos tratamentos desumanos em celas e cárceres, ou que, clandestinos, suportaram a dor de ver o curso natural de suas vidas interrompidas, mas que se recusaram a se submeter à burocracia instituída, por não se sentirem contemplados com as reparações previstas na lei. É forçoso reconhecer, por razões de justiça, que essas pessoas também são anistiadas políticas.
 
Afinal, a condição de anistiado, mais do que um conceito jurídico, é uma situação fática. E eis que em tempos de se falar sobre memória e verdade, a verdade toda deve ser dita, inclusive essa que vem, não obstante beneficiando muitos, obscurecendo o valor da contribuição histórica de tantos outros.

Marcelo Uchôa
Coordenador Especial de Direitos Humanos/CE e Professor da UNIFOR

Fonte: O Estado CE Online, 27/07/12, disponível em: http://www.oestadoce.com.br/?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=13&noticiaID=73008

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