Paulo Cabral
Fonte: BBC Brasil, 22/06/12, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120621_unasul_paraguai_pc.shtml
A Unasul (União de Nações
Sul-Americanas) enviará ainda nesta quinta-feira uma comissão de
chanceleres ao Paraguai com o objetivo de ajudar a preservar a ordem
democrática no país após a abertura de um processo de impeachment contra
o presidente Fernando Lugo.
A missão se baseia em um protocolo da Unasul que
dá aos seus membros a possibilidade de impor sanções a um país em caso
"de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática", de acordo com o
documento.
Um dos artigos prevê até mesmo o fechamento das fronteiras do Paraguai. (Veja o documento e: http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-regional/unasul/protocolo-adicional-ao-tratado-constitutivo-da-unasul-sobre-compromisso-com-a-democracia)
O protocolo foi citado pelo chanceler brasileiro
Antonio Patriota após reunião extraordinária de líderes da Unasul
reunidos no Rio de Janeiro por ocasião da Rio+20.
"Os presidentes consideram que os países da
Unasul conquistaram com muito esforço a democracia e nesse sentido nós
todos devemos ser defensores extremados da integridade democrática na
América do Sul", disse Patriota.
O chanceler disse ainda que os líderes da Unasul
"expressaram sua convicção de que se deve preservar a estabilidade e o
pleno respeito à ordem democrática, observar o pleno cumprimento dos
dispositivos constitucionais e assegurar o direito de defesa e ao devido
processo."
Patriota e secretário-geral da Unasul, o venezuelano Alí Rodrigues, estão entre os membros da missão que se dirige ao Paraguai.
A situação política no país se deteriorou
rapidamente após a morte, na última sexta-feira, de 18 pessoas, entre
policiais e camponeses sem-terra, em um confronto em uma fazenda em
Curuguaty, no Departamento (Estado) de Canindeyú, próximo à fronteira
com o Paraná.
O episódio derrubou ministros do governo, como Carlos Filizzola (Interior), e agora ameaça o próprio Lugo.
Julgamento
Os deputados aprovaram a abertura do processo de
impeachment por 73 votos contra um em uma votação relâmpago também
transmitida pelas televisões paraguaias nesta quinta-feira.
No Paraguai, as regras para impeachment são
diferentes das do Brasil, onde as duas casas do Congresso precisam
aprovar a abertura do processo.
Segundo a imprensa paraguaia, ainda nesta
quinta-feira um grupo de deputados deverá expôr as acusações contra o
presidente em uma sessão extraordinária na Câmara.
Lugo e seu equipe terão então 18 horas para
elaborar sua defesa. Ele deverá apresentá-la em uma sessão de apenas
duas horas, marcada para o meio dia de sexta-feira no Senado paraguaio.
Em seguida, opositores devem apresentar supostas
provas contra o mandatário e fazer alegações finais. A decisão final
sobre o impeachment deve ocorrer a partir das 16h30 (17h30 de
Brasiília). O Senado paraguaio é dominado por opositores de Lugo.
Reações
O anúncio do processo de impeachment surpreendeu
o país a nove meses do fim do mandato de Lugo. As eleições
presidenciais estão marcadas para abril de 2013, e a Constituição não
permite a reeleição presidencial.
O presidente deu declarações em cadeia de TV desmentindo rumores de que pretenderia renunciar.
"Não renunciarei ao cargo para o qual fui eleito
pelo voto popular. Não interromperei um processo democrático e me
submeterei ao processo político, como mandam as leis paraguaias, com
todas as suas consequências, como indica a Constituição paraguaia",
afirmou o presidente.
Afirmou ainda que se submeterá ao julgamento e todas as suas consequências.
"A vontade popular expressada nas urnas em abril
de 2008 (data da eleição de Lugo) está sendo alvo de ataques de
misericórdia por parte de setores que sempre foram contra as mudanças e
se opuseram a que o povo pudesse ser protagonista da sua democracia. O
povo não esquecerá que se pretende interromper um processo democrático
histórico a apenas nove meses das eleições gerais ", disse.
Lugo, um ex-bispo católico ligado a movimentos
sociais, tornou-se em 2008 o primeiro presidente a quebrar a hegemonia
de seis décadas do Partido Colorado no poder, incluindo os 35 anos do
regime militar comandado por Alfredo Stroessner (1954-1989).
Moradores e comerciantes de Assunção temem que a
situação política dê origem a protestos de rua como os desencadeados em
1999 pelo assassinato do vice-presidente Luis Maria Argana, do partido
Colorado.
Surpresa
Ouvido pela BBC Brasil, o analista político e
amigo de Lugo, Alfredo Boccia, que também é médico particular do
presidente, disse que o pedido de impeachment surpreendeu a todos.
"Uma surpresa desagradável para o país, que vive
um momento de recuperação econômica histórica e que vinha enfrentando
seus piores problemas que são a pobreza e a desigualdade social", disse.
"Há comoção porque ninguém esperava uma ação
assim. A maioria opositora no Congresso sempre foi um desafio para Lugo.
mas ninguém sabe agora o que vai acontecer ", acrescentou.
Para Boccia, o Paraguai vive momentos de
incerteza, mas a expectativa é de que o Senado decida sobre o
afastamento do presidente nos próximos dias. Na opinião dele, como a
oposição tem ampla maioria no Senado, o impeachment, se nada mudar,
seria apenas uma formalidade.
Com pouco mais de 6 milhões de habitantes, o
Paraguai tem uma trajetória política e economica marcada pelas
incertezas e golpes militares. Segundo Boccia, a diferença é que desta
vez o processo politico está previsto na Constituição.
A legislação prevê que o vice, Federico Franco,
assuma o cargo caso seja aprovada a destituição do presidente. Franco é
opositor de Lugo desde o rompimento da coalizão nos primeiros anos do
governo.
Colaborou Márcia Carmo, de Buenos Aires
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