Ignacio de los Reyes
Fonte: BBC Brasil, 22/05/12, disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120522_trafico_mulheres_lk.shtml
Atualizado em 22 de maio, 2012 - 17:50 (Brasília) 20:50 GMT
A cidade mexicana de Tenancingo,
no Estado de Tlaxcala, é o principal foco de tráfico de mulheres da
América do Norte, segundo o governo dos Estados Unidos. Estima-se que
10% de seus 10 mil habitantes se dediquem ao recrutamento, exploração
sexual e venda de mulheres.
É possível encontrar em Tenancingo elementos impensáveis em outros vilarejos mexicanos.
Entre eles, Ferraris e caminhonetes de luxo
Lincoln estacionadas nas ruas e em motéis, casas adornadas com torres e
vitrais trabalhados - e eventualmente, como dizem os boatos locais,
mansões com interiores decorados com ouro.
De Tenancingo saíram as famílias de cafetões
mais conhecidas do México. Segundo as Nações Unidas, o local é um ponto
crítico para a luta contra a escravidão sexual em todo o continente.
As autoridades locais reconhecem que a cidade tem seu lado obscuro, mas afirmam estar trabalhando para erradicar o problema.
"Há tráfico de pessoas, mas não na dimensão que se pensa", disse o prefeito José Carmen Rojas.
Negócio familiar
Recentemente leis foram aprovadas, tanto em
Tlaxcala como em outros Estados do México, para dar penas mais duras aos
traficantes de pessoas.
Porém, segundo as autoridades, ainda há um
grande obstáculo na perseguição a esses criminosos: muitas famílias
locais encaram a exploração sexual como uma atividade "normal".
"O problema se iniciou há 40 ou 50 anos",
afirmou à BBC Emilio Muñoz, diretor do Centro Frei Julian Garcés, que
atende vítimas de exploração sexual e faz campanha da nova legislação
sobre o tema.
"Os traficantes começaram a ganhar dinheiro, o
que permitiu a eles apoiar economicamente a comunidade, pagando festas e
infraestrutura. Ser traficante se transformou em uma aspiração para os
jovens e crianças do povoado. Se transformou em algo cultural", disse.
O tráfico de pessoas se enraizou tanto na cidade
que se tornou um negócio tipicamente familiar. A especialidade dos
cafetões - ou "padrotes", como são chamados localmente - é conquistar as
suas vítimas.
"Soubemos de casos de raptos ocorridos na saída
das escolas ou do trabalho e, inclusive, compra de mulheres em
comunidades indígenas, mas a técnica mais utilizada é a conquista
amorosa", afirmou Emilio Muñoz.
"Os traficantes vão a lugares muito pobres, se
apresentam como comerciantes e namoram as mulheres. Prometem a elas uma
casa, um bom carro, tudo o que elas nunca poderiam ter. Depois as levam
para Tlaxcala, onde as convencem a se prostituir como única alternativa
para que a família sobreviva."
Os homens herdam as técnicas de sedução de seus
pais. As mães se encarregam de preparar o casamento entre o cafetão e a
vítima e de convencer as mulheres de que a prostituição é o único
caminho.
Elas também ficam com os filhos das vítimas
quando elas são enviadas à Cidade do México ou a alguma grande cidade
americana - o que funciona como uma garantia para as mulheres não tentem
escapar ou denunciar o esquema.
Reféns
Maria, uma jovem da América Central que não terá
a identidade revelada, saiu de seu país com a promessa de trabalhar
como garçonete, mas foi vendida de prostíbulo em prostíbulo.
Hoje, ela vive no México em um refúgio para vítimas de exploração sexual e sonha em se tornar jogadora de futebol.
"Alguns clientes te tratam bem e outros não, mas
dou graças a Deus que não me aconteceu nada. Algumas colegas acabaram
mortas", disse ela.
"Me tiraram todos os documentos e até o número
de telefone da minha mãe. Me disseram que teria que trabalhar até pagar
minha dívida da viagem que fiz do meu país até aqui. E que não tentasse
fugir", afirmou.
Maria foi resgatada de um prostíbulo durante uma operação da autoridade migratória.
"Muitas mulheres exploradas não se reconhecem como vítimas", afirmou a fiscal Irene Herrerías.
"Em outros delitos, as vítimas procuram as
autoridades e denunciam, mas elas vivem agarradas aos traficantes ou são
ameaçadas por eles", disse.
Machismo
Tenancingo é apenas a face mais visível do dinheiro gerado pelo tráfico de pessoas no México.
Segundo o Centro Frei Julián, as mulheres são
recrutadas em ao menos 11 Estados do país e exploradas em outras nove
regiões - entre eles Tlaxcala e cidades americanas como Houston, Nova
York ou Miami.
Na última segunda-feira, 27 mulheres foram
resgatadas no bairro La Merced, no centro da capital mexicana. Lá é
possível ver prostitutas e cafetões agindo à luz do dia.
Muitas prostitutas estão nas ruas de maneira
voluntária. Outras sofrem exploração de redes que operam em casas
escondidas nos becos de La Merced. Em média são obrigadas a ter 40
relações sexuais em um único dia.
Como elas, a cada ano milhares de mulheres caem
nessas redes em todo o país, segundo organizações não governamentais do
México e dos EUA. Porém, não há estatísticas claras que quantifiquem o
tamanho do esquema.
"Há um fator cultural muito determinante",
afirmou Felipe De La Torre, coordenador regional de um projeto da ONU
contra o tráfico de pessoas.
"Grande parte da sociedade mexicana ainda tem
características muito fortes de machismo. Por isso algumas esferas ainda
resistem a aceitar que mulheres e vítimas podem ser forçadas a exercer a
prostituição", disse o representante da ONU.
Dessa forma, tanto as mulheres que ficam no
México como aquelas vendidas como mercadoria sexual em outras partes do
mundo vivem a mercê dos cafetões.
Algumas se mantêm temerosas de que algo ocorra aos filhos que tiveram que deixar onde foram recrutadas.
Outras vivem uma segunda condenação: viver com os homens que roubaram suas vidas.
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